Como se iniciou a associação de mulheres negras cormélia da conceição?
No dia 20 do mês de Junho de 1929, no K41, São Mateus, ES. Nasceu a D. Cornélia.
Nunca na vida de seus pais pudessem sonhar que mais tarde aquela criança poderia se tornar um exemplo de vida, força, coragem e determinação em defesa da vida de tantas mulheres. Ela se tornou para o povo oprimido, uma referência de fortaleza, guerreira e capacidade. Com sua determinação em defender os interesses e os direitos das lavadeiras e empregadas domésticas de são Mateus, dando àquelas mulheres a oportunidade de mudança de vida com suas próprias lutas.
A Senhora Cornélia aos quatro anos de idade, era moradora do bairro Porto, filha única. E sua mãe D. Conceição, sem casa própria, sem trabalho fixo, sem salário digno..., passaram por muitas privações. É um quadro não muito diferente de muitos brasileiros.
Mas cinqüenta anos depois, ela com 71 anos de idade relembra alguns fatos marcantes em sua vida. Não consegue disfarçar a lembrança de amarguras na sua infância, no Porto em São Mateus. Quando Diz: “Minha mãe trabalhou fazendo faxina numa casa; lavando roupa noutra e o tempo ia passando. Nós sofremos muito”. (Livro Mulher fonte de vida e esperança; p 125, 2001).
Para o município um marco histórico, em 1979, a lavadeira Cornélia da conceição convida as amigas para uma reunião em sua casa, convida também as patroas. No início houve apoio da igreja católica, através das irmãs Maria, Ângela e Silvana. Nesse 1º encontro compareceram 140 lavadeiras e apenas 02 patroas. Mas as mulheres não desanimaram. Nesse encontro começaram as discussões de suas necessidades, pois eram muito castigadas, trabalhavam muito e ganhavam pouco, nessa época, nem se falavam em carteira assinada. Mas a partir desse encontro teve a idéia de criar uma associação, a ALED – Associação de Lavadeiras e Empregadas Domésticas. Começaram com a participação das lavadeiras. Todavia, com a atitude tomada começaram a faltar roupas para lavar.
As patroas começaram a bater de frente, sobrecarregando suas empregadas domésticas. E as lavadeiras sem trabalho e sem o pouco que ganhavam. E descobriram algumas lavadeiras ou domesticas que por medo de suas patroas aceitavam a exploração. Mas ao descobrirem essas mulheres que não faziam parte da ALED. Elas foram abordadas por mulheres do grupo e foi ai que aconteceu de até tirarem trouxa de roupa da cabeça de muitas mulheres. E convidaram as empregadas domésticas a fazerem parte dessa associação. Com muita garra e determinação, D. Cornélia, juntamente com outras mulheres do grupo, foram edificando este projeto de vida para mulheres, inicialmente no bairro Ideal (ou Comunidade de Fátima) e mais tarde por todo São Mateus.
E a fama do grupo foi se espalhando e foram chegando convites para palestrar em toda região: Ecoporanga, Pinheiros, São Gabriel da Palha, Barra de São Francisco, Nova Venécia e até em município do estado do Rio de Janeiro. O grupo tem muito orgulho, pois a conferencista da época era uma senhora negra e humilde e muito sábia, que estudou até a 4ª série primária. Com suas dificuldades, Ela sentia tremura nas pernas, frio na barriga, mas orientava àquelas mulheres sobre a importância de se organizarem e buscarem seus direitos. Ela participava ativamente de outros movimentos populares em prol da dignidade e em defesa dos direitos básicos dos mais necessitados.
Esta líder comunitária se juntou aos favelados que moravam no Porto,nos anos 80,onde houve dois (2) grandes movimentos de ocupação do local, hoje conhecido na cidade como bairro da Aviação e bairro Cacique. Sendo que na época, ouve o apoio do padre Fernando a esses ocupantes.
Com sua participação direta nesses movimentos populares ela ganhou muitos inimigos. Que buscavam calar a voz profética daquela mulher negra que fazia engrossar cada vez mais o grupo.
Assim sendo em 1982 houve uma greve geral em todo país, a ALED tinha que contribuir com o movimento e lá estava D. Cornélia na BR 101, no trevo do Ribeirão. Com a chegada da polícia foram detidos; a D. Cornélia e Maria José – membro do sindicato dos trabalhadores Rurais, juntamente com outros manifestantes. Afirma indignada e revela que muitos desejavam uma prisão que fosse para sempre. Seus dez filhos ficaram desesperados. E após 30 horas foram liberados. Tudo isso serviu para divulgar o trabalho do grupo e fez com que a ideologia do grupo fosse mais longe.
Mas as perseguições foram muitas e cada vez mais acirradas. As lavadeiras e empregadas domésticas sofreram muitas ameaças. Mediante tanta pressão a forte líder sofreu um princípio de infarto, a caminho de uma das reuniões. Sendo obrigada a reduzir seus passos na sua dura jornada. Algumas lavadeiras e empregadas não resistiram e abandonaram a ALED. Mesmo doente ela articulou com aquelas que ainda permaneciam e a associação se transformou no “grupo de mulheres de Fátima”, coordenado pela mesma e mais três mulheres: Teodora, Cristina e Josefa.
Trabalhavam com temas polêmicos como aborto, violência doméstica, orientação ao INSS etc. Dando também orientações aos usuários de álcool (alcoolista) depois encaminhado ao grupo de Alcoólicos anônimos da cidade local.
Militante do partido dos trabalhadores a D. Cornélia se candidatou a vereadora, por duas (2) vezes, não conseguindo se eleger. A maioria, quase absoluta, dos que controlam o poder público são homens. Reflexos de uma sociedade conservadora e machista. Uma mulher forte, que não se deixou abalar pelas desavenças da vida.
"O que a deixava mais triste era a falta de coragem em se
organizarem em seu próprio benefício".
Com o objetivo de formar mulheres conhecedoras de seus direitos, deu início com sua simplicidade e competência e pôde com muita sabedoria, desenvolver um trabalho que ficou na História do município. Com seu falecimento, outras mulheres negras assumiram a coordenação, documentando em registro no ano de 2006/2007, batizando com o nome de Associação de Mulheres Negras Cornélia da Conceição.
Apesar dos avanços e conquistas, as mulheres continuam enfrentando, em sua vida cotidiano, desafios tais como:
Discriminação em geral, no mercado de trabalho, desigualdade de oportunidade, dificuldade de se profissionalizar, dificuldade de se relacionar com melhores cargos ou cargos políticos. A professora Olindina, coordenadora do grupo, ressaltou a importância de valorizar também os idosos que são a história viva da sociedade e que é a realidade do grupo.
É um grupo de mais ou menos 60 mulheres, mas que assim como qualquer outro grupo, oscila muito. E no momento se encontra sem local, pois estava funcionando na sede da associação de moradores do bairro Sernamby, mas por intolerância dos mesmos, estão sem local.
O grande desejo de conquista é voltar aos encontros de formação e informação, bordados em tecidos, tela, banda e outras oficinas, como trabalhar a saúde da mulher, alimentação alternativa e outros temas. Mas para tudo isso voltar acontecer precisam de um local.
Esses são os grandes desafios do grupo.
Para a professora Olindina Serafim Nascimento debater sobre a desigualdade de gênero e raça possibilita reflexões /criticidades e visibilidade para que a própria mulher negra se aceite e realize grandes conquistas, considerando seu mestrado uma grande realização.
Outra questão levantada e preocupante é que a mulher discrimina a própria mulher, devido o reflexo da cultura machista e patriarcal que permeia o tecido social, um desafio a ser enfrentado por toda a classe trabalhadora. E debatendo o assunto dará condição de em outros espaços ter oportunidade de transformar a realidade vivenciada em uma nova construção histórica com mais inclusão, equidade, igualdade e justiça social, para isso temos que ter políticas afirmativas, que são aquelas voltadas a corrigir desigualdade, oferecendo o diferencial, eliminando as desvantagens existentes que exclui e descrimina e que são mantidas na sociedade e no grupo.
O grupo coloca a importância de algumas ações já conquistadas como: Representante nos conselhos da mulher e de assistência. Encontramos-nos em desvantagem com a representação da mulher nos espaços de poder, e precisamos de mais empoderamento da mulher no poder.
Algumas mulheres citaram como exemplo várias passagens das novelas da rede globo, onde o racismo cotidiano consiste em formas freqüentes de comportamento e atitudes que, apesar de não serem agressivas ou abertas, demonstra desrespeito, marginalização e humilhação a grupos específicos, como mulheres ou negros. Em que os personagens negros só conseguem papeis inferiores, ou mesmo discriminatórios.
É questionado um assunto que ouviram em palestras com a coordenadora nacional dos grupos afros descendentes que refletiam dizendo:
"Que, as mulheres negras estão ficando cada vez mais sozinhas. Pois o homem negro se sobre sai na sociedade, e busca se casar com mulheres brancas para ser aceito na sociedade burguesa. Em especial se vêem os jogadores, pagodeiros e outros. Por isso a importância da discussão. A sociedade precisa ser emancipada, o trabalho do homem sempre foi mais valorizado que o trabalho da mulher. Existe uma disparidade no nível intelectual entre negros (as) e brancos (as)".
São Mateus é o município com a maior população afro descendente do Espírito Santo. Isso se deve ao fato de o local ter sediado um dos principais portos e importantes casas de comércio de negros do Brasil, que funcionaram desde a chegada dos primeiros navios negreiros no século XVI até praticamente o final do século XIX.
GRUPO DE MULHERES NEGRAS CORNÉLIA DA CONCEIÇÃO.(O. S.N)